quinta-feira, 29 de outubro de 2015

No olho do furacão

(...)Esperei até chegar em casa, de repente tinha se tornado questão de vida ou morte conseguir aquilo. De vida ou morte era exagero, mas de sanidade ou loucura não. Chegar ao centro, sem partir-se em mil fragmentos pelo caminho. Completo, total. Sem deixar pedaço algum para trás.
(Caio Fernando Abreu)

Ao entrar no meu quarto, percebo que há uma bagunça bem maior do que de costume. Deito na cama, por cima de todas as roupas que joguei aqui. O teto não está como nas outras noites em que eu o encarava. Algo mudou e foi para pior. O caminho de volta pra casa foi o mais difícil que já peguei, embora seja o mesmo de sempre.  A sensação de estar presente e ausente enquanto dirigia por uma estrada bem familiar, mas que naquele momento era a mais estranha possível. As pessoas sem rostos, as ruas sem luzes e o meu corpo sem eu mesmo. Era essa a sensação. Parecia que caía um pedaço de mim por cada esquina, pois já não me reconhecia. Eu não saberia dizer quem era e a que estava indo. Eu me sentia fragmentado por algo que eu acreditava poder me consertar. As lágrimas que eu deixei cair e que fiz cair de outra pessoa pareciam ter levado uma boa parte de mim com elas. Eu, tentando agora reorganizar os meus pensamentos, percebo que há uma confusão bem maior do que havia. Talvez por isso não reconheço os retratos que eu vejo aqui, por isso o teto parece diferente embora nada o tenha acontecido, por isso essa bagunça que percebo ser a mesma, mas que parece maior. Tudo que eu ouço agora são silêncios e nesses silêncios reconheço vozes que não são de quem eu vejo na minha frente com os lábios em movimento – são vozes e palavras que já ouvi em outro momento e teimam em tomar lugar sem intenção de sair. São sons que fazem doer, como o som de gotas ininterruptamente caindo de uma torneira que não param a despeito de todo esforço. Ao olhar para os rostos que não vejo, vejo apenas rostos que ali não estão.
Afogo-me na confusão do meu quarto que parece imitar minha mente. Vejo no meio de tudo, peças de quebra-cabeças, brinquedos, armas, pessoas, animais, vozes e imagens desconexas. Não consigo encontrar as chaves de casa que acabei de guardar: estou todo assim, sem poder me encontrar na bagunça que eu mesmo criei. No espelho, não sei quem vejo, mas sei que está perdido e andando em círculos para se achar.
Nessa caminhada louca de volta para casa em todos os sentidos, não poderia levar ninguém. É arriscado demais. Não sei de que forma poderia amparar passageiros se nem mesmo consigo encontrar um chão onde pisar. Pode levar um tempo para encontrar o caminho certo e nesse meio tempo, prefiro percorrer sozinho. Vou andando a passos trôpegos... paro alguns instantes, pois há muitas coisas no meio do redemoinho e me causam vertigem. Sigo. E espero não causar mais danos aos outros, pois sempre que isso acontece, me perco mais ainda de mim. Não sou boa companhia no momento. Sigo, com os passos tortos e os pensamentos mais tortos ainda, em direção ao sentido de tudo.

(29/10/15)

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