quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Então, é Natal?


O frio que fazia àquela noite, naquelas ruas sujas, deixava o corpo da garota de quinze anos tremendo. E aquelas roupas curtas não ajudavam em nada. Aliás, era só um acessório dispensável para a sua profissão. A escuridão em que a cidade estava mergulhada dificultava sua visão e caminhada, fazendo-a se desequilibrar sobre os saltos. Era noite de natal. Um dia festivo para os outros, talvez. Mas, para ela, o mais cansativo. Era pra ser um feriado para a família. Mas havia praticamente uma multidão de homens insaciáveis à procura de uma meretriz para lhes satisfazer. Ela não tinha família. Já não tinha desde que seu pai a vendeu para um desses intermediários. No início, chorava muito e se perguntava por quê. Não sabia dizer. A situação financeira não estava das melhores, mas também não chegava a extremos. Talvez ele tivesse enjoado do corpo dela e agora iria se aproveitar da irmã mais nova que já deveria ter doze anos. Isso enquanto o menino ainda era de braço. Certamente, venderia a outra e se aproveitaria do trabalho do caçula quando este já tiver condições para fazê-lo. Além de abusar sexualmente dele, “pra variar”. É por isso que sempre chorava após uma noite com cliente. Esses homens que andavam nas ruas como à procura de uma cadela no cio sempre a fazia lembrar-se do seu pai. O intermediário estava levando-a para uma fazenda, ou algo assim, do seu chefe. Mas houve um acidente. Ela fugiu. Ele morreu. Ela teve de fazer a única coisa que sabia fazer pra sobreviver. Dar. É, dar. Se preferir, posso chamar por outros nomes, mas não vai mudar o destino que aquela pobre menina teve. No fim, vai ser a mesma coisa: abrir as pernas e dar. E depois de dar à noite inteira, daria para o seu cafetão. Além de dar o dinheiro, é claro. Era natal. Mas não fazia diferença. Continuava a mesma vida. O pó que chegava às suas narinas não fazia esquecer a situação. Só lembrava mais e mais. E chorava mais e mais. Era sempre assim: abrir, dar, chorar, cheirar, chorar, dar. Era sempre assim: enquanto as famílias de retrato viam seus especiais de natal na tevê, cheio de presentes, musiquinhas, pessoas felizes, lá estava ela, dando. Dando o que não era dela, pois seu pai havia vendido. Mas, dando. Para, no fim, ir dormir, pobre do mesmo jeito, suja do mesmo jeito, triste do mesmo jeito. Esquecida, do mesmo jeito.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Depois das serpentinas


Estou morrendo. Fosse como outros, estaria aqui me esvaindo em lágrimas e soluços. Mas, como dizem, eu não tenho coração. Eu até tenho isso que chamam de coração. Mas usá-lo deixa as pessoas fracas. Não eu, mas os outros. Usaria se quisesse, e derrubaria muita gente. Mas eu prefiro ser sincero, ou hipócrita, e deixá-los me odiarem. Ontem, vi pessoas correndo de um lado para o outro em festejo de carnaval, essa festa que inventaram e eu ainda não sei por qual motivo. Muita gente rindo sem nem saber por que, nem de que. Riam dos pobres mendigos e bêbados que passavam alheios àquela alegria. Brigas eram freqüentes e, mais ainda, ataques aos pobres desabrigados que passavam. Após o fim da festa, eu continuava imóvel, e via as pessoas deixarem as ruas, cheias de lixo e de gente morta. Gente? Não. Para eles, animais, estorvos. Muitos conhecidos eu vi perderem seu sangue para o chão cinzento. Para livrar as ruas daquela imundície, jogaram os irmãos de ninguém no lixão mais próximo. Simples projetos de pessoa. Era uma cena aterrorizante. Mas eu não tenho coração e, portanto, não me aterrorizei. Por quê? Era só o que vinha à minha cabeça. Não me assustei, pois já esperava o pior dos humanos. O pessimismo sempre fez parte de mim e sempre me fez bem. Apesar de já prever, não conseguia entender o porquê. Era algo como limpeza do mundo? Mas, por que a sujeira varria a vassoura? Chorar não fazia parte de mim. Mas, por dentro, eu sentia o gosto salgado da angústia. Por fora, indiferença. Não é o tipo de barreira sentimental que costumam usar. É mais um tipo de vingança. Chorar é marketing. E eu não estou atrás de negócio. Meu coração é de material biodegradável e não dá lucros. Meu sangue não é petróleo e não vale nada. Meu corpo não é carvão mineral e eu não elimino gás natural. Meu metabolismo é daquilo que se faz para os outros. É ver gente viva na rua, sem carnaval, nem lixões de carne humana. É por isso que estou morrendo.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Incertezas de um ninguém


Hoje sou,
Amanhã não sei.
Sou pedra disforme, sem valor
Valho a validade de uma lei.

Sem forma e de cor,
A criação que me fez
Me fez senhor
Sem vez.

Sem medo nem pudor,
Que fiz tudo sem amor,
Sem tirar nem pôr,
Um sujeito me falou.

Amor não é o que falta
É só o que não se vê.
Tímido, não fala
Vê a guerra que lê.

Só com a incerteza de ser
Vou tentando me fazer
Desenho de mim
E daquele que me vê.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Valeu, Karina!

Aqui vai o link de um post, no qual, está um texto que Karina (Ingrid) fez pra mim. Muito obrigado, achei muito massa *-* ah, visitem o blog dela, é muito bom.
http://criticas-e-criacoes.blogspot.com/2010/12/eu-sei-para-arthur-rondeyvson.html

Bateu aquilo...

Bem... Eu tava esperando sentir saudade, mas, como não tenho coração, essas coisas não acontecem comigo. -brinks. Então bateu algo parecido, aquilo que minha amiga Klyvia chamou de "estágio bom da saudade". Que, segunda ela, acontece quando você lembra dos acontecimentos e fica rindo querendo vivê-los novamente. O ruim seria aquele que fere, que faz chorar. Esse, não sentimos ou preferemos não senti-los. Como estava dizendo, bateu algo parecido e resolvi publicar aqui o AD que Klyvia fez pra mim (adoro fãs -brinks), essa pessoa que tanto me fez rir com suas caras (depois disso, acho que ela tá com raiva de mim KKK). E junto vai minha tentativa frustrada de poema pra ela (o que vale é a intenção, né?).

   Esperança de uma vírgula abaixo do ponto
  De repente, distância. Não que não fosse prevista, mas sabe quando precisa-se viver tal realidade para poder sentir aquele gosto amargando a boca e a palavra poder ter total sentido dentro de nossa voz? Mas no momento que a senti pontiaguda, me furando e sangrando o peito, não saiu voz alguma de mim. O silêncio se fez lágrimas, salgando o gosto da ausência. Eu podia vê-los ali feito imagem na parede branca do meu quarto que eu passara horas olhando, ou simplesmente fingindo olhar. Porque eu reparava em outra coisa. Na coisa que eu não podia admitir para mim que se chamava saudade para não me ver fraca, nem me sentir dependente ou humilhada no espelho que gritava para minhas olheiras de insônia e. Eu gosto de você, sinto sensações boas ultrapassarem as ruins, mediante sua imagem nas paredes da minha memória, cheias de desenhos cúbicos e previsíveis. Se um novo reencontro, sinta meu coração bater no teu peito num abraço de segundos.
(Klyvia)


Pra uma menina que sentiu um cheiro de flor

E quando a vi, pensei:
Loucura
A conheci e falei:
Cultura, doçura
E d'outras palavras lembrei:
Caráter, sorriso
É, é isso

Ah, aqueles cachinhos
Onde, já, uma flor morou
Se foi, mas ficou
O tal cheiro de flor
O cheiro que atrai passarinhos
O mesmo do transeunte sedutor

Me admira sua sinceridade
A coragem de falar
Assim sem se importar.
Sincera és bem
E meu afeto por ti, também.

Falei em sinceridade
E me lembrou nossa amizade 
(eu)

(Palmas, muitas palmas para ela :D )
Ah... Há uma certa intertextualidade no poema que vocês deverão ignorar (o cheiro de flor).

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

"Já faz um tempo que eu queria te escrever um som..."




Seu nome de pássaro não poderia ser mais justo. Com um canto doce e encantador, Tiê utiliza, de forma inteligente e sincera, toda a sutileza que a música permite proporcionar. Melodias simples, com predominância dos sons de violão e piano, e letras que revelam seu intimismo na hora de se expressar são as características mais fortes no cancioneiro dessa bela cantora. À primeira vez que ouvi essa mulher cantando, eu parei. "CARA, TENHO QUE CASAR COM ELA". Foi assim também com Roberta Sá, mas isso já é outro assunto. Ela realmente me encantou. Com essa coisa de falar de si e ser, ao mesmo tempo, direta e metafórica. Alcançar seu mais íntimo patamar. "Can you see my heart, my soul?" É disso que ela faz sua obra. Convidar-nos a entendê-la.


No mesmo caminho artísico vemos seu amigo e parceiro de trabalho: Thiago Pethit . Com o mesmo tom intimista e poético. O "Pethit" do seu nome nos lembra alguém. Ele mesmo: Le petit prince. E não é mera coincidência, pois suas músicas são dotadas da mesma simplicidade sábia que os personagens do livro apresentam.
Ambos artistas enveredam pelo folk, porém, numa mistura de ritmos, como traços da MPB. A incrível beleza do violão e do piano a tecer uma música suave e invasora à alma do ouvinte.
Esse foi um breve comentário sobre esses dois maravilhosos compositores, só pra não dizer que não falei. Estava devendo :D

O que será no fim?

Mentira. Não era isso que eu queria dizer. Mas foi isso que acabou saindo. Soa melhor do que a verdade e até corta menos. Não digo que não fere, mas se o faz, é com menor intensidade. Dizem que tem perna curta, não é? Espero que seja pelo menos suficiente pra correr até amanhã, quando eu já não estiver mais por perto. Pegarei o ônibus às três da manhã, pois não há risco de me esbarrar com você. Eu até queria dizer a verdade, mas doía muito só de pensar na sua cara que me faz ver beleza em tudo. Para os outros, até não, mas pra mim era quase hipnotizante. Não sou de idealizações e é por isso que não me perco em descrições, mas tua face, teus olhos eram, de um jeito estranho, encantadores. Enfim, sabe quando você vai pronto pra falar, com tudo na ponta da língua e, de repente, volta tudo goela abaixo, pra ser digerido e eliminado? Foi assim. Imagine uma brisa passando, à noite, penteando seus cabelos, tipo cena de folhetim romântico meloso açucarado. Por falar nisso, eu queria saber o sabor do abraço e do beijo. Não qualquer um, mas o seu. Imagino que seja azedo ou amargo. Assim, desafiador. Quanto mais difícil, maior o gosto por provar. Voltando à mentira. Não que eu tenha te contado algo falso. O problema é esse: eu não te contei. Chamo de mentira. Mas não foi pra enganar, foi por... Medo? Não, prefiro chamar de zelo. Foi só pra preservar essa relação que já há. Não queria que soasse romântico nem lamentoso. Só queria falar. Realmente, é o que falta: falar. Não se lembre de mim com saudade ou tristeza, tampouco com risos e gargalhadas. Um leve sorriso de canto de boca já basta. Se a gente se esbarrar por aí, por obra do destino, se é que ele existe, talvez eu fale. Talvez eu continue calado e só cumprimente como de costume. O que eu quero dizer é que à proporção que íamos nos distanciando, mais vezes eu lembrava de você, e não era saudade, era só lembrança. E esperança, talvez. Engraçado é pensar que sempre penso num futuro em que dividimos o cenário e o ato, sendo que provavelmente não haverá peça que narre uma história em que caiba eu e você num mesmo palco, fazendo parte do mesmo enredo. Destino, se tu existes, o que reservas? Uma comédia da nossa vida privada ou só o monólogo triste de um simples homem falido e amigo da solidão? Abrir a boca pra dizer tudo. É uma possibilidade. Como disse, quando nos cruzarmos na rua, se acontecer, eu... Não saberei o que fazer. Fato. Deixarei passar a sombra sem ao menos tentar fazer animais nas paredes com ela? Omitir. Será mesmo a melhor opção? Divaguei em situações futuras e me perdi. O que estava mesmo falando? Ah, amanhã, quando eu tiver partido, estarei ainda pensando em você e tudo que poderia ter acontecido. Mais uma vez, não veja isso como melodrama. Apenas um desabafo. A gente se perde nos pensamentos e quando vê, tá pensando demais. Até dará vontade de voltar às 2:59 e te contar tudo. Mas você vai estar dormindo e eu não terei coragem de te acordar, eu perderia a viagem e mais tarde não conseguirei falar. Então. É só esperar. Esperar o destino, ou outro responsável pelo tempo e os acontecimentos, os ponteiros passarem e as folhas de calendários serem arrancadas. E no fim. O que será no fim?

domingo, 12 de dezembro de 2010

Subentenda-se

E eu que pensei que o ser fosse fácil de entender? Ao tentar fazê-lo, acabei não só não entendendo como passei a me desentender comigo. E desse conflito fui vivendo, ou melhor, tentando viver. Para cada interrogação havia dois travessões em resposta. Eu ia de um lado a outro da sala procurando entender o que diziam, mas falavam ao mesmo tempo, às vezes, num sussurro, noutras, em algazarra. Eu estava perdendo a razão. Meus dois eus eram partes de um só, fragmentos de um que não aguentou tanta verdade. Faziam isso pra me ver desse jeito. Roendo as unhas a imitar algo autodestrutivo. Me vi saindo em disparada para a chuva. Chuva fria de dezembro, prenúncio de natal. Lavei-me. Quis trazer a pureza. Mas, não havia como. Essa água que passava me molhando não quis saber de alma e tratou de escorrer pelo corpo. Assim, como se fosse somente uma obrigação. Era muita água e pouca terra. De repente, eu via essa chuva ficar. Como quem se afeiçoou pela terra. Ficou, fazendo poça, açude, rio. Eu via porque tentava me lavar com essa água que vinha do céu e disso se fazia pura. Mas o céu era apenas mais um reservatório de poluição. Entendi: ela vinha em chuva, para a terra, devolver ao homem o que é dele. Como em vingança. Não. Era apenas justiça. “Dai a César aquilo que é de César”. E enquanto via isso, meus dois pedaços de eu faziam briga e gritavam impropérios. De repente, os ouvi se despedindo. Uma gota, a última, caiu em mim e não caiu. Entrou. Passou pela epiderme e viajou. Do bando de preguiçosos, alguém deveria ter boa vontade. Eu diria que foi minha insistência que os fez pararem de brigar. Mas prefiro pensar e dizer que foi a última gota de chuva.
Hoje, a cada interrogação que eu faço, meus dois travessões dialogam e se fazem período simples. Ainda posso ouvi-los. Dizendo cada um a sua sentença. Mas falo aquilo que me dizem. E se ousam se desentender, eu paro. E escrevo. Pois, assim, eles não ouvem meu esforço de entender. E ficamos entendidos.


- Esse AD é o que teve tempo de criação mais longo. As frases em itálico foram escritas em setembro de 2010 e só fui terminar o resto hoje. Meio demorado, hein? :)

sábado, 11 de dezembro de 2010

AD's

Pois é... Criei coragem e postei alguns textos meus. Eu os chamos de AD (Autor Desconhecido). Bem, é um tipo de piada interna, sabe? Invenção de Klyvia. Voltando a eles: tive um pouco de receio, no começo do blog, de publicar textos meus, meus ADs, mas agora, decidi colocá-los aqui, escancarar. Sobre o que são? Como diz meu primeiro post: sobre tudo e, sobretudo, influenciado pelo meu estado de espírito. Tenho fases. Posso falar de mim. Posso falar de outro eu. Posso falar dos humanos, em suas glórias ou desastres. Posso falar de coisas divinas, não-humanas, ou até, diabólicas. Algo meio existencial. Pode ser alegre, pode ser triste, lamentoso, pode ser revoltante, sarcástico, pode ser poético ou de mau gosto. Enfim, seja como for, sobre o que for, será minha voz escrita. Como eu mesmo, ou como eu-lírico. Espero que apreciem, que desgostem ou que ignorem.
Até o próximo AD.

Tudo bem, tudo tão normal.


Parado no meio da estrada. Ver os carros passarem não é um esporte divertido. Pelo menos, não pra mim, que queria sair sem rumo, mas vejo a toda hora vários automóveis com destino certo e horário de chegada programado. Até os pássaros, que eu pensei serem livres, não o são. Viajam em grupo para um mesmo lugar, já determinado. Por quem? Eu não sei. Só sei que por mais que eu fuja não me afastarei do que não quero. Assim como Severino, que fugia da morte, mas, a cada passo, um rastro dela encontrava.
Acordo. Me vejo em meu quarto, na minha casa de sempre. A estrada, já não vejo mais. Ouço somente o tic-tac já tão conhecido. Tudo tão regular e dentro dos padrões. Não poderia ser pior. Aguardo o fim da trilha sem me mover. Até que ponto a normalidade pode afetar um homem sem que o leve à loucura? Só testando.
De novo, tic-tac. Um relógio que não se cansa de cronometrar as eras de desgraça do homem. 
Um objeto realmente perigoso.