Lembro muito
de você. Não como eu gostaria de lembrar: às vezes tenho que me esforçar para
formar um esboço do seu rosto; a sua voz sofreu alguma distorção nesses últimos
tempos e não lembro exatamente sua altura. Lembro dos seus óculos – na verdade,
lembro que você os usava, mas não tenho certeza de como era o modelo. Sei que
caía muito bem no seu rosto que pra mim, hoje, é um pouco borrado. Tenho
certeza que mudaste nesses anos e, por isso, fica mais difícil ainda formar um
modelo seu para recordar. Agora na vida adulta, será que mudaste muito mesmo?
Há tanto tempo não te vejo. Lembro – mal, mas lembro, que conversávamos muito
e, embora eu não consiga mais reproduzir mentalmente a tua risada, sei que
adorava ouvi-la: era pura espontaneidade, uma risada torta, engraçada e
adorável (acho que só eu achava adorável) e não combinava nada contigo, mas pra
mim, não havia melhor. Nos corredores da minha memória, o teu retrato
encontra-se repetido em vários locais, são retratos distintos e, apesar de não
serem merecedores de muitos elogios, foram feitos à mão, com pouca técnica e
muito bem-querer. Não lembro da tua forma, do teu rosto, da tua voz. Mas lembro
perfeitamente de como me alegrava em te ver, mesmo de longe, e ao perceber que
também se alegrava ao me ver, com um sorriso se formando nos teus lábios,
enquanto que o meu já nem cabia mais no rosto. Às vezes me fazia de
indiferente, confesso, mas é porque eu tinha essa coisa de querer me proteger
dos outros. Sei que você não me entende, pois nem eu bem me entendo, muitas
vezes. Lembro com precisão do arrepio que eu sentia quando a distância já não
era tão grande, com o toque da tua pele (que já nem sei como era) na minha.
Lembro de rir à beça com as tuas piadas e até com a sua conversa séria. Lembro
que falávamos sobre tudo, tudo mesmo e era tão simples. Eu particularmente
adorava te aborrecer rindo da sua cara. Lembro o quanto eu odiava me despedir
de você, mesmo que fosse com um “até amanhã”, mas nunca te disse isso. Lembro
de fazer muitos planos para o dia seguinte e não realizar nenhum. Lembro das
vezes que, depois de um tempo, mal nos falávamos, sem motivo algum, apenas uma
distância que se criou. E nessas vezes, lembro do breve oi que te dirigia com a
intenção de dizer muito mais, mas que nunca passou disso. E aí, os meus
sorrisos já nem tinham tanto a ver contigo, pois você não estava sempre lá. E
quando eu te via de longe, eu já nem sorria, só pensava no pouco tempo que é
necessário para separar as pessoas, e via que você sorria mas isso nada tinha a
ver comigo. As raras vezes em que conversávamos como antes, não eram na verdade
como antes, mas serviam pra manter aquela chama acesa (que se enfraquecia na
maior parte do tempo). Nesse tempo todo conversamos sobre tanta coisa, ouvi
muito e falei tanto, mas não te disse nada do que eu realmente queria dizer.
Talvez fosse melhor assim. Até as redes sociais, da internet, que costumávamos
usar e era o que nos salvava, sumiram. Quando o cenário que dividíamos se
desfez, lembro que nem houve despedida. A última vez que conversamos, já depois
disso, foi tão rápida e nem lembro bem o que falamos, nem a tua reação. Também
não houve despedida. Depois disso, já te vi outras vezes, de longe e, a contragosto,
fingi que não vi. Desviei. Minha vontade era de te falar todo aquele não dito,
que à época já era maior e hoje muito mais. Eu queria ouvir novamente a tua
voz, sentir a textura da sua pele, ver as mudanças no seu rosto e, com sorte,
testemunhar aquela sua risada estranhamente perfeita. Eu queria te contar tudo
que eu vivi desde então e queria também ouvir o que aconteceu na sua vida e
todos os detalhes possíveis. Eu queria mesmo era te dizer tudo isso que eu
estou dizendo, achando que é pra você, mas que talvez você nunca leia. O que eu
realmente queria te dizer, além disso tudo, é que depois de você, conheci muita
gente e já há outros novos retratos na parede, mas eu nunca me esqueci de você. Como eu já disse: eu me lembro de você, não como eu gostaria, mas de um jeito
muito melhor.
(04/03/2015)