domingo, 12 de dezembro de 2010

Subentenda-se

E eu que pensei que o ser fosse fácil de entender? Ao tentar fazê-lo, acabei não só não entendendo como passei a me desentender comigo. E desse conflito fui vivendo, ou melhor, tentando viver. Para cada interrogação havia dois travessões em resposta. Eu ia de um lado a outro da sala procurando entender o que diziam, mas falavam ao mesmo tempo, às vezes, num sussurro, noutras, em algazarra. Eu estava perdendo a razão. Meus dois eus eram partes de um só, fragmentos de um que não aguentou tanta verdade. Faziam isso pra me ver desse jeito. Roendo as unhas a imitar algo autodestrutivo. Me vi saindo em disparada para a chuva. Chuva fria de dezembro, prenúncio de natal. Lavei-me. Quis trazer a pureza. Mas, não havia como. Essa água que passava me molhando não quis saber de alma e tratou de escorrer pelo corpo. Assim, como se fosse somente uma obrigação. Era muita água e pouca terra. De repente, eu via essa chuva ficar. Como quem se afeiçoou pela terra. Ficou, fazendo poça, açude, rio. Eu via porque tentava me lavar com essa água que vinha do céu e disso se fazia pura. Mas o céu era apenas mais um reservatório de poluição. Entendi: ela vinha em chuva, para a terra, devolver ao homem o que é dele. Como em vingança. Não. Era apenas justiça. “Dai a César aquilo que é de César”. E enquanto via isso, meus dois pedaços de eu faziam briga e gritavam impropérios. De repente, os ouvi se despedindo. Uma gota, a última, caiu em mim e não caiu. Entrou. Passou pela epiderme e viajou. Do bando de preguiçosos, alguém deveria ter boa vontade. Eu diria que foi minha insistência que os fez pararem de brigar. Mas prefiro pensar e dizer que foi a última gota de chuva.
Hoje, a cada interrogação que eu faço, meus dois travessões dialogam e se fazem período simples. Ainda posso ouvi-los. Dizendo cada um a sua sentença. Mas falo aquilo que me dizem. E se ousam se desentender, eu paro. E escrevo. Pois, assim, eles não ouvem meu esforço de entender. E ficamos entendidos.


- Esse AD é o que teve tempo de criação mais longo. As frases em itálico foram escritas em setembro de 2010 e só fui terminar o resto hoje. Meio demorado, hein? :)

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